Foi uma entrada difícil. A missão inicial era chegar até o vão do moleque, Wellington, meu companheiro nessa viagem, também desejava visitar o quilombola Osaldo na região do tinguizal 1, não era exatamente caminho, mas, só nos desviaria no máximo duas horas da rota. Seria uma viagem de duração de no mínimo uma semana. E, como fazia tempo que não víamos Osaldo, e como não desejava caminhar só esta semana de pesquisa de rota, aceitei esse desvio. Mas, o pensamento que me veio à cabeça quando deitei a cabeça sobre o travesseiro somente quarenta e oito horas após ter saído foi; “Como é bom ter um teto sobre a cabeça. Como é bom ter um lugar para pousar a rede”.
Havia saído de casa, já com o coração receoso por saber que a canoa que usaríamos para atravessar o rio Paranã, havia virado no dia anterior. Ao chegar à localidade chamada funil, encontrei com Aleixo, quilombola da região da Contenda que se ofereceu a atravessar-nos, eu e o missionário Wellington, para o outro lado do rio. Caminhamos uma hora além do ponto onde deixamos a moto para chegar ao local onde estava a canoa. O fato de estarmos de moto, nos economizou umas quatro horas de caminhada. Era o que normalmente eu gastava, para percorrer do ponto de ônibus até aquele local. Quando lá chegamos ouvimos os gritos de um quilombola que estava preso em uma pedra com a canoa virada no rio. Fiquei apreensivo em saber que os próximos a enfrentar o rio seriamos nós. O que fizemos após Aleixo ter socorrido o amigo.
A travessia foi feita de um a um, (…), os pouco mais de cem metros foram vencidos em intermináveis minutos na força da oração e em vigorosas remadas. Deixei minha mochila, assim que entrei na canoa, a uma distância que não poderia alcança-la caso ela virasse e assim não caísse na tentação de tentar salvá-la.
Infelizmente, pouco depois de vivermos a angustia que foi a travessia do rio, Welington machucou um dos pés. Nesse momento soube que nossa viagem havia terminado. Afinal, era o primeiro dia de sete. Consegui uma vara para que ele usa-se como apoio, ao caminhar e seguimos em frente, pois àquela hora do dia, não poderíamos fazer outra coisa, senão chegar ao nosso primeiro objetivo da viagem, que era a localidade chamada riachão. O que fizemos em aproximadamente três horas de caminhada, das quais metade dela sob a chuva e dentro de mata fechada.
A casa de Dona Procópia, nosso objetivo, levou-me ao filme Joe e as baratas, não por haver alguma coisa de cidade grande nela, e sim pelas baratas, que faziam uma procissão calmamente sobre a mesa, como se fizessem parte da família. O animalzinho de estimação. O café foi servido em xícaras esmaltadas, ou quase, que logo depois de colocadas sobre a mesa, as baratas cuidavam de sorver a sobra.
Dona Procópia, preparou uma das corvinas que haviamos adquido a beira do rio. Comemos peixe com quiabo, feito a parte, e o tradicional arroz sem tempero algum. A única coisa que desagradou um pouco na refeição foi o fato do missionário Welington ter me confessado a visão de uma barata caminhando sobre o arroz quando foi se servir. Digo isto, porque, o que os olhos não veem, o estômago não sente.
Dormimos do lado de fora da casa e no outro dia fomos visitar uma família amiga na região do Tinguizal, à uma hora de caminhada. Após a visita começamos nossa jornada de regresso, já que Welington estava com um dos pés ferido desde o dia anterior e confessou não ter condições de seguir adiante. O caminho de volta nos trouxe a emoção de conhecer novas trilhas. Acho que já disse que o que eles chamam de estrada, muitas vezes não é nem trilha, e o que eles chamam de trilha não sei bem o que é.
Na travessia da Contenda para o Lucio, entendi como se sente uma tartaruga quando é colocada de cabeça para baixo. Caí entre duas pedras e fiquei preso de pernas para o ar, esforçando-me inutilmente para me levantar, até que o Welington manquejando, transpusesse a pequena distância que nos separava para me socorrer. E lá estava eu, olhando para o alto. Minha mochila possuía uma armação de alumínio e o espaço entre as pedras, era o exato para aprisionar-me. Como consegui cair de costas, não me pergunte. Sei que havia resolvido passar pelas pedras por parecer um caminha mais limpo, enquanto Welington passava um pouco mais abaixo. Só que em algum momento tive que saltar de uma pedra a outra, e a umidade fez o resto do trabalho. O resultado da queda foram dois pequenos cortes na mão, uma pancada forte na perna e na costela, a sensação de tartaruga de barriga para cima, e agora ambos mancando, ele mais do que eu.
A travessia de volta do rio, foi feita de uma só vez. A canoa de Agripino maior do que a de Aleixo. Depois da travessia só restava subir na moto e voltar para casa. Teria sido ótimo se fosse simples assim, antes de chegarmos em casa ainda no quilombo teríamos uma queda da moto,ao chegarmos na estrada um dos pneus furou, como seria difícil conseguir carona para dois e uma moto, principalmente a noite, decidimos que eu voltaria a cidade para buscar a ajuda necessária. Tendo conseguido a carona em um caminhão, ao chegar a cidade, ao pular da carroceria deste, caí com o pé já machucado, dentro de um buraco, o que provocou uma lesão no tornozelo.
Ainda assim, graças ao bom Deus, rapidamente consegui o resgate para buscar o missionário Welington. Restou-nos apenas esperar as feridas se curarem para continuarmos nossa peregrinação pelo quilombo. Aprendi nessa última viagem, muitas palavras novas. E reconheço a necessidade cada vez maior de um colete salva-vidas. De fato, eu temo o Paranã. Também creio ser possível chegar ao Moleque em apenas três dias de caminhada. Foi incrível, ter chegado até o riachão apenas em um dia de viagem. Nunca havíamos feito isso anteriormente. A questão é que para encurtarmos o caminho, temos que sair da estrada e nos aventurarmos pelas trilhas. Que o Senhor nos ajude.
Natan e Simone.
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