Em se tratando de quilombolas kalungas, e está pergunta se refere aos kalungas, que é a etnia com a qual convivi no nordeste goiano. Penso que a pergunta ideal não é qual língua eles falam, mas a principio o que pensamos que ouvimos ou falamos.
Quando da minha chegada em novembro de 2002, acocorado na caçamba da D10, com crianças, mantimentos, arame farpado, olhava para os negros com estranheza e com estranheza era olhado. Apesar de negro também. Um dos quilombolas que ali estava, era conhecido do outro missionário e claramente fazia perguntas a meu respeito. Por incrível que pareça, eles falavam em português, e, eu nada entendia. Não era o mesmo português do Rio de Janeiro, mas, ainda assim português. Era outro ritmo na fala e outras palavras. Muitas das vezes as mesmas palavras e outros significados. E aí mora o grande perigo na comunicação. Não exatamente no que falamos, e sim no que eles ouvem. Não exatamente no que eles falam, mas, no que nós entendemos, ou pensamos que entendemos.
E com os kalungas, temos ainda o acréscimo de todo um gestual, e o gestual fala muito, e é preciso estar atento principalmente quando recebemos informações, que só nos é dada, quando claramente solicitadas.
Mas voltemos às palavras e seus significados. Principalmente porque o português, não é o português de hoje, e sim o de ontem, talvez não o do tempo das senzalas, mas com certeza, um que evoluiu muito mais lento do que os das grandes cidades, visto o isolamento ao qual eles se encontravam, ao menos até o final da década de 80 do século passado, ocasião em que foram descobertos, antropologicamente falando.
Sabemos que a língua é viva e em constante metamorfose. O significado de ontem, não será o mesmo de hoje, só que lá, o significado de ontem é exatamente o significado de ontem, só que ontem não é o da década passada, e sim um ontem bem mais distante. Uma coisa é certa, em uma de suas festas santas, pude ouvir o latin, não o falado em nossas igrejas católicas nos anos 70, mais um latin, transmitido de rezador a rezador afinal de contas estamos falando de uma região que começou a ser povoada pelos negros nos meados do século XVIII, ou seja, se há vestígios de latin ali, só pode ter vindo da senzala.
Mas voltemos ao português, o que ouvimos: O missionário avisando que iria ter que voltar para sua cidade por um período ouviu a seguinte frase:
· “Seu moço abusou de nós e agora vai embora!”.
O missionário de branco, torna-se vermelho tenta tirar satisfação e responde:
· “Quem falou isso, quem disse que eu abusei de alguém aqui, eu nunca abusei de ninguém aqui não”.
Passa-se algum tempo e muito constrangimento para que ele entedesse que a sentença era:
· “Você se cansou de nós. Você está enjoado daqui”.
O que nos falamos. O missionário pergunta ao quilombola: “Você já ouviu falar do paraíso?” ao qual o quilombola de pronto responde: “não sinhô, eu só fui até Alto Paraíso”. O missionário sorri. Alto Paraíso é uma cidade vizinha.
Deixo uma pergunta. Pense que está um sol de mais de 40º e você está no sertão goiano, andou mais de 06 horas, e ao chegar a casa a qual foi visitar, te pedem para escolher entre água ou chá de limão, qual você escolhe?
O que eles falam, e o que nos ouvimos. Certa ocasião observei o missionário mais experimentado questionar ao quilombola sobre um caminho menos difícil para a nossa casa. O quilombola falou: “é logo ali”, e começou a dar as devidas dicas para o nosso guia, que na ocasião era um menino de no máximo 12 anos. Estava atento as instruções e ouvi claramente quando o quilombola disse que não precisavamos subir nenhuma serra, só contornar. Pois bem, isso ainda era de manhã, talvez 09 ou 10 horas, quando por volta de 13:00h começamos a subir uma serra, em certo momento o guia se virou e nos disse: “Eu acho que estou perdido”, ao qual eu respondi, “você acha!, eu tenho certeza”.
Nesse dia chegamos por volta das 19:00hs em casa. Isso porque tentamos fugir de uma escalada de aproximadamente meia-hora. A nossa falha de comunicação, foi que só depois que o quilombola falou é logo ali, é que o missionário chamou o menino para receber as instruções, e ao falar logo ali, o quilombola fez biquinho, e essa foi a falha do missionário. Um logo ali com biquinho, é um logo ali bem longe. Então a dificuldade não é exatamente a língua que eles falam, e sim a língua que escutamos ou que eles escutam.
Que Deus ajude aos seus missionários por aí afora a vencer as barreiras culturais.
otimo
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